RECOMENDAÇÃO 010/2008/GAB/FAM/PRMG
PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO CÍVEL: | |
REPRESENTANTE: | ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE CLÍNICOS VETERINÁRIOS DE PEQUENOS ANIMAIS |
REPRESENTADOs: | MINISTÉRIO DA AGRICULTURA, PECUÁRIA E ABASTECIMENTO E ministério da saúde |
O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, por conduto do Procurador da República in fine assinado, com fundamento nos arts. 5º, inciso I e 6º, inciso XX da Lei Complementar n. 75/93, expede a presente Recomendação, tendo por base a Portaria Interministerial n. 1.426, de 11 de julho de 2008, expedida pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento e Ministério da Saúde, pelas razões de fato e direito a seguir expostas.
BREVE SÍNTESE:
Trata-se de procedimento administrativo cível, instaurado para apurar legalidade da Portaria Interministerial n. 1.426, de 11 de julho de 2008, expedida pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento e Ministério da Saúde, tendo em vista que em seu artigo 1º proíbe, em todo território nacional, o tratamento da leishmaniose visceral em cães infectados ou doentes, com produtos de uso humano ou produtos não-registrados no Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento – MAPA e com esta proibição vários cães, que possivelmente tenham a doença, serão eutanasiados sem a possibilidade de tratamento digno.
CONSIDERANDO:
1. o Procedimento Administrativo Cível n. 1.22.000.002461/2008-60 , que tramita perante a Procuradoria da República em Minas Gerais, que tem por objetivo apurar a legalidade da Portaria Interministerial n. 1.426, de 11 de julho de 2008;
2. a Portaria Interministerial n. 1.426, de 11 de julho de 2008, expedida pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento e Ministério da Saúde, que em seu artigo 1º proíbe, em todo território nacional, o tratamento da leishmaniose visceral em cães infectados ou doentes, com produtos de uso humano ou produtos não-registrados no Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento - MAPA;
3. que o animal infectado pela leishmaniose visceral transmite o protozoário, causador da doença, através da pele;
4. o tratamento utilizado para cura dos animais infectados por leishmaniose mata grande parte dos protozoários causadores da doença e a outra parte dos protozoários, que permanecem vivos, instalam-se em partes do corpo do animal, exceto na pele;
5. que no momento em que o protozoário se instala nas outras partes do corpo do animal, este não se torna mais transmissor da doença leishmaniose visceral, apenas portador do agente;
6. que portar o agente, assim como doenças que os seres humanos portam, quer dizer apenas que o animal PORTA o agente, mas não é acometido pelos males da doença provocada por este.
7. que na remotíssima hipótese de não se conseguir sucesso no tratamento da leishmaniose visceral, ainda, é possível fazer com que o animal não transmita a doença, porque esta é passada pelo mosquito flebótomo e este pode ser mantido afastado do animal através de coleiras inseticidas, entre outros meios;
8. que com tratamento o animal fica assintomático, ou seja, o protozoário realmente não causa os sintomas e não está localizado no animal em parte do corpo passível de ser transmitido.
9. que o atual exame para verificação de leishmaniose é o sorológico e este apenas verifica se o animal produz anticorpos contra o protozoário transmissor da doença, não verificando, de fato a existência do protozoário no animal;
10. que o exame sorológico constata se o animal é soropositivo ou não, o que significa, caso positivo, tão-somente, que o animal teve contato com o parasita, mas não necessariamente que o parasita permanece no cão. A possibilidade de cura espontânea foi relatada. (LANOTHE et al., 1979; POZIO et al., 1981; MARZOCHI et al., 1985).
11. que o exame parasitológico é o método mais eficaz para diagnosticar se o animal sofre ou não da infecção, porque tem o escopo de verificar a presença ou não do protozoário;
12. que não há embasamento legal para a Portaria Interministerial n. 1.426, de 11 de julho de 2008, porque é direito do médico veterinário “prescrever tratamento que considere mais indicado, bem como utilizar recursos humanos e materiais que julgar necessários ao desempenho de suas atividades” - artigo 10 do Código de Ética Profissional do Médico Veterinário;
13. que a parte dispositiva da Portaria Interministerial n. 1.426, de 11 de julho de 2008, cita como motivos de aprovação da Portaria diversos dispositivos legais, sem, contudo, citar seus artigos;
14. que Portaria é ato administrativo que não pode inovar, legislar, ou seja, precisa ser baseada em lei, apenas regulamentando, dentro dos limites constitucionais e legais, o conteúdo da lei;
15. que se os animais fossem capturados para fins de vacinação e de esterilização, a quantidade de errantes (percentual mínimo de animais que portam a doença) diminuiria drasticamente, bem como o risco de propagação de doenças.
16. o que diz o Instituto Pasteur , em seu Manual Técnico, nº6, página 20: “A apreensão e a remoção de cães errantes e dos sem controle, desenvolvidas sem conotação epidemiológica, sem o conhecimento prévio da população e segundo técnicas agressivas cruéis, têm mostrado pouca eficiência no controle da raiva ou de outras zoonoses e de diferentes agravos, devido à resistência imediata que suscita e à reposição rápida de novos espécimes de origem desconhecida que, associadas à renovação natural da população canina na região , favorecem o incremento do grupo de suscetíveis.”;
17. a comprovada eficácia dos tratamento atualmente utilizados nos animais que sofrem de leishmaniose visceral, por exemplo, em duas teses recentes, apresentadas na Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG e na Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho – UNESP, verificou-se, além da melhora clínica dos cães, redução estatisticamente significativa da presença do parasita na pele, indicando diminuição do risco de transmissibilidade. Os resultados demonstraram no primeiro estudo positividade em 40% do cães antes do tratamento e 5 % após o tratamento e no segundo estudo, 52,7% de positividade antes do tratamento e 6,2% após (NOGUEIRA, 2007; SILVA, 2007).
18. o que já foi dito, que quando não há cura do animal, ainda assim, não é questão de saúde pública, porque o animal é apenas portador do agente da doença.
19. que a Portaria Interministerial n. 1.426 alega como motivo de sua expedição o Informe Final da Consulta de expertos, Organização Panamericana da Saúde (OPS) Organização Mundial de Saúde (OMS) sobre leishmaniose visceral em Las Américas, de 23 a 25 de novembro de 2005.
20. que o Informe considera que “em situações especiais o tratamento canino possa ser efetivado, desde que acompanhado de medidas que impeçam o contato do cão em tratamento com o vetor”.
21. que os médicos veterinários que realizam o tratamento da leishmaniose visceral tomam seus devidos cuidados e orientações com o animal tratado e o proprietário responsável.
22. que há dez anos vem sido exercido o tratamento canino de leishmaniose visceral e, conforme dados de pesquisa, estes tratamento têm obtido êxito.
23. que a eliminação canina tem sido contestada em diversos estudos quando constatam que o seu impacto no controle da doença não alcança resultados que a justifiquem operacionalmente (DIETZE et al. 1997; MILES et al., 1999; MOREIRA et al. 2004; MOREIRA et al. 2005; NUNES et al. 2005; PEREIRA et al. 2005).
24. que é evidente que, frente ao fenômeno de urbanização e a inegável humanização dos animais de estimação, particularmente os cães, a questão da eliminação canina surge como grave problema quando da imposição da eliminação dos cães, sem possibilidade de tratamento.
25. que o Ministério da Saúde, em 24 de novembro de 2006, havia elaborado a minuta de Portaria para regulamentar o tratamento da Leishmaniose visceral canina, entretanto, houve desistência da publicação.
26. que vários artigos internacionais demonstram que o tratamento da leishmaniose canina não somente leva à cura clínica dos cães, como também pode ser utilizado no controle da expansão da doença.
27. que a Constituição Federal de 1988, o artigo 51, §4º do Código de Defesa do Consumidor, a Lei Complementar nº75/93 e demais diplomas legislativos correlatos outorgaram ao Ministério Público Federal a defesa dos direitos dos consumidores, detendo a legitimidade para instaurar procedimentos investigatórios, expedir recomendações e ajuizar ações judiciais, com escopo de evitar ou reparar danos aos consumidores;
O Ministério Público Federal, valendo-se de tais prerrogativas e de outras estabelecidas pela própria Constituição da República de 1988,
RECOMENDA AO MINISTÉRIO DA SAÚDE E AO MINISTÉRIO DA AGRICULTURA, PECUÁRIA E ABASTECIMENTO:
28. que revogue a Portaria Interministerial n. 1.426, de 11 de julho de 2008;
29. Aproveitamos o ensejo para apresentar protestos de elevada estima e distinta consideração.
EFICÁCIA DA RECOMENDAÇÃO: A presente recomendação dá ciência e constitui em mora os destinatários quanto às providências solicitadas, podendo implicar na adoção de todas as providências administrativas e judiciais cabíveis, em sua máxima extensão, contra os responsáveis inertes em face da violação dos dispositivos legais.
Belo Horizonte, 28 de julho de 2008.